segunda-feira, 20 de julho de 2020

Precisamos falar sobre o vovô...


Oi, filho.

Esta é certamente a carta mais difícil que escrevo pra você.
Mas é também a mais urgente, a mais necessária, a mais importante de todas.

Eu queria te falar do seu avô. Do vovô Magalhães. Do vovô mais durão e mais doce. 

O vovô Magalhães foi a pessoa mais valente e destemida que eu já conheci. 
Foi ele que me mostrou a sensação de estar segura e protegida nesse mundo louco em que vivemos. Não tinha nada que ele não fosse capaz de fazer para nosso bem-estar e segurança.

O vovô nasceu lá em Portugal e veio para o Brasil com 17 anos começar a sua vida sozinho. Passou por várias dificuldades, encarou a vida de frente e aprendeu sobre tudo um pouco. Todo esse caminho fez dele uma pessoa forte e corajosa, mas também fez dele um cara fechadão, com dificuldade de expressar seus sentimentos. 
O que não queria dizer, de forma alguma, que não tinha sentimentos. Tinha um coração enorme, generoso, sempre pronto a ajudar. Tinha amigos queridos, que o admiravam e que gostavam de estar por perto e desfrutar de sua companhia.

Mas tem uma coisa, que eu preciso te contar. Uma coisa que aperta meu coração de pensar na possibilidade de você crescer e acabar esquecendo.
Toda essa casca grossa do seu Magalhães se desmontou todinha quando ele se tornou avô.
Você e sua prima chegaram e mostraram pra gente que por trás de toda aquela fortaleza tinha um vovô derretido, capaz de qualquer coisa pra ver os netos sorrindo. 
Quando você ainda era um bebê, te pegava no colo com doçura.
Quando você cresceu mais um pouquinho, ele sempre queria te dar as coisinhas açucaradas que eu não deixava você comer.
Quando você virou um garotinho levado, ele brincava com você. No terreno de Maricá, na garagem da casa dele, jogando bola, dando banho de mangueira, e até mesmo te ensinando a tocar sanfona. 
Sabe filho, seu avô sonhava em te ver tocando sanfona. E você derretia o coração dele quando dizia que queria aprender e tentava tocar a sanfona que ele te trouxe de presente, direto de Portugal. 

Seu avò adorava música. Música portuguesa. 
Foi ele quem me ensinou a dançar. E como dançava bem... música portuguesa, samba, forró, valsa...
Jamais vou esquecer o jeito que ele me olhava, me convidando pra dançar quando o vira começava a tocar. 


Seu avô adorava cozinhar pra gente. E fazia coisas deliciosas. Com prazer. Era só a gente chegar na casa dele e alguns minutos depois ele já corria pra cozinha pra inventar alguma coisa pro lanche. 
E como gostava da mesa cheia. Cheia de comida. Cheia de gente. Cheia de vida. Cheia de amor. 
Pra ele, quase tudo na vida girava em torno da mesa. Poucas coisas o faziam tão feliz quanto ver a mesa cheia da família. Se tivesse o vira tocando no fundo, a felicidade estava completa.


Seu avô não teve a oportunidade de terminar os estudos, mas sabia matemática como poucos. Fazia contas complexas de cabeça e tinha uma visão de administração invejável. Ele não se continha de alegria quando via a sua inclinação para os cálculos. Os olhos brilhavam orgulhosos de ver você respondendo de cabeça as contas que ele te passava. 


O vovô Magalhães tinha muito orgulho dos netos. Falava de vocês com brilho no olhar. Contava para os amigos o quanto vocês eram lindos, espertos, talentosos e tantas outras qualidades, que só o olhar do vovô apaixonado era capaz de captar.

Todas as vezes que eu olhava pra vocês dois juntos, meu coração se enchia de gratidão. Eu sabia que eram momentos preciosos, de alguma forma eu entendia o quanto um dia eu sentiria falta de presenciar aquilo. 

Essa semana que passou, eu, você e seu pai, tivemos uma conversa muito difícil.
Eu precisei olhar nos seus olhinhos e te falar que o vovô Magalhães foi pro céu tomar conta da gente lá de cima.
Você me perguntou como faria pra falar com ele agora e eu respondi que, assim como Mufasa, ele estaria lá no céu nos escutando, e que você poderia fazer como Simba e olhar pra cima e falar com ele.
Seu coraçãozinho ficou partido e choramos juntos abraçados. É preciso acolher a tristeza, deixar transbordar o que não temos controle sobre.

Algum tempo depois o sino da igreja tocou, 18h00. 
Todos os dias nos reunimos na varanda, rezamos a Ave-Maria. E você falava: "Mamãe do céu, por favor faça com o que o vovô Magalhães fique curado o mais rápido possível."
Dessa vez, o sino tocou e minhas pernas tremeram. 
Fiquei observando o que você faria.
Você foi para a varanda como todos os dias, rezamos a Ave-Maria, e meu coração apertou diante do seu silêncio e da sua hesitação. 
Você juntou as mãozinhas, olhou pra cima e disse: "Mamãe do céu, cuida do vovô Magalhães aí com você e não deixa que ele se machuque mais."


Você sempre me ensinando tanta coisa, meu filho.
Eu tenho certeza que de onde ele está, está ainda mais orgulhoso de você.

Vamos continuar aqui, Rafa, mostrando pro vovô tudo que aprendemos com ele: 
Seremos fortes e valentes.
Recomeçaremos todas as vezes necessárias. 
Estaremos unidos em volta da mesa.
Seremos generosos e justos.
Vamos transformar toda essa tristeza em coragem pra seguir em frente, sabendo que ele estará sempre conosco nas mais doces lembranças e em nossos corações.

Nunca se esqueça do amor do seu avó por você, meu filho.

Te amo.



































sexta-feira, 3 de abril de 2020

Aqui dentro...

Oi filho.

Essa semana aquela vontade incontrolável de te escrever voltou. Aquela sensação das palavras transbordando aqui dentro me consumiu durante toda a semana.
O mundo parou. Tudo está de cabeça pra baixo e você, agora tão crescido, acompanha tudo e mostra pra gente um entendimento que a gente mal pode acreditar.
Tem sido difícil, eu sei. 
De repente voltamos a passar nossos dias juntos, mas nunca estivemos tão distantes. 
De repente temos todo o tempo do mundo, mas não temos tempo nenhum.
De repente a vida toda parou, mas aqui os dias correm sem serem suficientes. 
Vai passar, eu sei.
Mas por enquanto, todo esse confinamento que nos aproxima e nos afasta tem me mostrado o quanto você cresceu. O quanto entende dos nossos sentimentos. E o quanto tudo que fizemos até agora valeu a pena. 
Passamos os dias aqui fechados e sozinhos. Até que seu pai chegue em casa de tarde. 
Você tem se mostrado uma criança segura, autônoma e resiliente. 
Todos os dias enquanto me observa trabalhar intensamente e por longas horas você consegue entender nossos limites. Meus e seus. Me traz água. Me dá um beijinho. Me pede pra parar um pouco. Me chama.pra brincar. Brinca sozinho, vê TV, estuda e come. Participa das nossas ligações de vídeo, conta histórias e faz mil cabaninhas pela casa. Faz mil perguntas, presta atenção em nossas conversas e entende quase tudo.
Você cresceu e eu vi! Sim, eu estive aqui esse tempo todo olhando e vivendo com você todas as fases. E aquele bebezinho, que nós ensinamos a nomear e aceitar suas próprias  emoções, hoje senta do meu lado e me diz estar nervoso, me diz estar com medo de todos “morrermos de coronavírus” , me pede pra parar de assistir o noticiário pra não ficar pensando nisso toda hora e liga pra vovó e diz pra ela ficar em casa porque é perigoso sair na rua.  Aprendemos cedo que falar sobre os nossos sentimentos é importante e nos faz mais fortes. É quando encontramos acolhimento e entendemos como lidar com tudo que sentimos. 
Tem sido um aprendizado pra nós, eu sei.
Você morre de vontade de mim, bem aqui do meu lado.
E eu lido com a angústia de querer dar conta de tudo, em meio a tantas demandas.
Agora aqui, olhando você dormir tranquilamente, sinto um misto de sentimentos. Um alívio de ver você aqui, seguro e tranquilo. Uma tristeza de pensar em tantas crianças expostas e sozinhas. Uma saudade de ver você interagindo feliz com tantas pessoas queridas que estão agora longe de nós. Uma insegurança de pensar no que ainda pode vir. Um amor tão intenso que parece não caber dentro de mim. Uma felicidade de poder viver todo esse amor, meu, seu e do seu pai. Uma gratidão por ter vivido mais um dia. 
Vamos passar por tudo isso. 
Tudo isso tem um sentido diferente pra mim porque você existe. 
Vamos dar conta. 
E nos orgulharemos de nós mesmos.
Você é o amor da minha vida, Rafa.
Seu sorriso é a minha alegria.
Seu olhar é a minha inspiração.
Sua alegria é a minha força.

Te amo muito, meu amor ! 









sábado, 18 de janeiro de 2020

6 anos

Oi, filho!

Há alguns dias atrás, estávamos na estrada voltando de viagem e vimos um arco-íris lindo no céu. Você, como sempre, observador e questionador, quis entender o fenômeno. Falamos sobre a chuva que tinha acabado, sobre o sol que chegava e sobre a formação das cores. Mas falamos também sobre a promessa de Deus e o símbolo da renovação da Aliança a cada vez que um arco-íris aparece no céu.


É seu aniversário novamente. Faz seis anos que tenho essa sensação de renovação toda vez que esse dia chega... Meu coração se enche de alegria e de certeza do cumprimento de Suas promessas.
Esse ano foi um arco-íris pra nós, Rafa. Nossa vida mudou e foi maravilhoso.

Como você cresceu, meu filho!
Aprendeu a ler e a escrever.
A fazer continhas de cabeça.
A andar de bicicleta sem rodinhas.
Aprendeu a lidar com o tempo longe da mamãe, novas rotinas e desafios.
Suas brincadeiras mudaram e o seu quarto se encheu de hotwheels, heróis e beyblades. Todas as noites a gente senta no chão da sala, com a sua arena vermelha e trava batalhas memoráveis com o Drago, o Raio Azul e o Eagle. A gente até aprendeu a não batalhar tão perto da TV porque às vezes eles ficam muito velozes, eclodem da arena e quebram a tela!

Você cresceu e a capacidade de argumentação ficou ainda mais desenvolvida e provocadora. A fome não para de aumentar. A curiosidade ainda mais aguçada e a energia parece não acabar nunca.

Nós aprendemos, juntos, que pra ver o arco-íris precisamos passar pela tempestade. E a vida, volta e meia, fica lembrando a gente disso. Foi difícil não estar mais junto, foi difícil não chegar a tempo às vezes, foi difícil explicar que naquela hora não ia dar pra brincar de luta. Mas foi incrível ver a sua independência, sua autonomia e seu desenvolvimento.
Foi sensacional chegar à conclusão de que todo nosso comprometimento em acolher um bebê no mundo com amor, respeito, carinho, apego e empatia resultou em um garotinho que chega ao final da primeira infância autônomo, seguro, esperto e feliz, acima de tudo. 
A tempestade passou e quando tudo acabou vimos um lindo arco-íris, meu filho.

Hoje é o seu dia, Rafa.
Oficialmente hoje, você deixou de ser o meu bebezinho pra ser um menino, mas o meu coração ainda acelera como há seis anos atrás quando você vem pro meu colo e me olha apaixonadamente.
Todas as noites, quando rezamos juntos e você faz uma lista de pessoas para receberem bençãos do Papai do Céu, peço a Ele que você mantenha esse coração bondoso, essa vontade de ser feliz todos os dias, esse jeito espontâneo de expressar seus sentimentos e de se preocupar com as pessoas.

Você é o orgulho da minha vida.
Sua risada é minha inspiração.
Seus olhinhos são meus faróis.
E o seu abraço é o meu descanso.

Feliz aniversário, meu amor.
Nós te amamos muito!